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Importância da adesão ao projeto ‘Conciliação em Domicílio’ para o oficial de justiça

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Tendo em vista a virtualização dos processos e sua consecutiva aceleração por causa da pandemia de Covid-19, as forças de trabalho estão passando por um ritmo acelerado de transformações. Já era previsto que muitas profissões iriam deixar de existir ou deveriam se adaptar às novas demandas da sociedade, da chamada “Era da Informação” [1].

O Poder Judiciário, instituição pilar da democracia brasileira, tem seguido (aos poucos) a tendência global da referida era digital. A modalidade de teletrabalho — ou home office, como é mais conhecida — representa a inovação sobre como as demandas judiciais podem ser solucionadas virtualmente, dependendo de cada caso, eliminando parte da burocracia de outrora, mas sem deixar de respeitar princípios fundamentais para o regular andamento do processo e direitos garantidos na Constituição de 1988.

Atento ao fato sobre a evolução dos meios de comunicação eletrônicos, o legislador acertou em inserir vários mecanismos no atual Código de Processo Civil de 2015 para tornar o processo mais célere e adaptável às circunstâncias que poderiam advir. É o que se vê hoje com a prática de julgamentos virtuais, atos de comunicação via internet e outras medidas que se tornaram necessárias para evitar a propagação do vírus da Covid-19, quando há aglomeração de pessoas. Porém alguns atos judiciais não podem deixar de ser praticados pessoalmente tendo em vista a possibilidade do perecimento do direito das partes, como é o caso das decisões que determinam o afastamento dos agressores em crimes caracterizados como de violência doméstica, além das prisões civis de devedores de alimentos, entre outros.

Daí a necessidade de adequar as atividades dos oficiais de justiça a este novo paradigma social, que, de certa forma, possivelmente terá novas características (inclusive de forma preventiva) mesmo quando a mencionada pandemia passar; já está no imaginário popular a expressão “novo normal”. Por isso, será de grande valia trazer para a prática diária de suas atividades o que já está elencado como uma de suas atribuições, ou seja, a possibilidade da tentativa de promoção da chamada autocomposição, por meio das diligências realizadas pessoalmente ou por outros meios idôneos.

As atividades desempenhadas pelos oficiais de justiça são — em sua maioria — tipificadas como operacionais, pois se tratam de trabalho de campo. Por mais que as legislações federais e normas internas correlatas dos tribunais, de modo geral, disciplinem sobre as funções do oficialato de justiça, é no dia a dia nas ruas, favelas e demais endereços que os oficiais aprendem a trabalhar de fato. Conhecendo a vida, as características, as dificuldades que os jurisdicionados enfrentam diariamente, tornando o trabalho do oficial de justiça muito peculiar. Mesmo com a virtualização dos procedimentos e o esvaziamento da presença física de pessoas nos tribunais, os oficiais de justiça são uma importante ferramenta para o devido processo legal. Serão elencadas, no presente artigo, algumas sugestões para que os oficiais de justiça possam contribuir mais ativa e efetivamente para o múnus público ao qual foram designados (mediante concurso público), tornando mais próximo o ideal trazido pelo princípio constitucional da eficiência, tão necessário em tempos como este, de pandemia.

É direito de todo cidadão brasileiro que o acesso ao judiciário, quando se pleiteia em juízo por impulso oficial, se dê de forma célere e satisfativa. Sendo assim, o prazo para a duração regular do processo deverá ser razoável, objetivando a solução de mérito da demanda. Podemos dizer, sem medo de errar, que — depois da redemocratização — o espírito da chamada “constituição cidadã encontrou sua maior ferramenta de efetivação dos direitos e garantias fundamentais no atual Código de Processo Civil (2015), onde se chama à responsabilidade todos os sujeitos processuais para o empenho da solução consensual dos conflitos, objetivando que as partes processuais possam ter decisões de mérito justas e efetivas. A autocomposição (instrumento jurídico trazido pelo novo CPC) é o princípio basilar que norteia as atuais relações processuais, o que fez aumentar — em decorrência — o rol de “agentes conciliadores e mediadores”, principalmente com a inovação trazida pelo inciso VI [2] do artigo 154, atribuindo também aos oficiais de justiça do Poder Judiciário brasileiro a tentativa de cooperação para a pacificação social, por ser dever do Estado promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. [3]

No ano de 2022, foi instituído o projeto-piloto “Conciliação em Domicílio” pela Portaria Conjunta Nº 1.346/PR/2022, [4]do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Nele são previstas as possibilidades de melhoria para o regular andamento do processo que os oficiais podem contribuir, caso sejam adotados mecanismos de capacitação profissional por parte dos tribunais brasileiros. [5] Pois ao se estimular que as partes façam suas propostas e as apresentem aos oficiais nas diligências citatórias, intimatórias ou em qualquer fase do processo, o processo poderá ser resolvido pela desistência, submissão, renúncia ou transação. Nada mais lógico que delegar, como um dos métodos de resolução de conflitos, mais esta atribuição ao profissional que é uma das primeiras figuras do judiciário a ter contato com as partes, antes mesmo do magistrado, conhecido como o longa manus do juízo. Em razão desta nova competência, o oficial de justiça estará encarregado (caso queira) de tentar, em cada diligência, intermediar as diferenças jurídicas existentes entre autor e réu, de modo a facilitar o acordo sem que seja necessária uma longa disputa judicial começada pela citação e sem previsão de seu término (com ou sem o transito em julgado da sentença).

Para a correta aplicação dos métodos de autocomposição, será indispensável que o servidor — oficial de justiça — tenha capacitação técnica. Como a proposta do projeto “Conciliação em domicílio” é a de cooperação voluntária, seria mais sensato que a preferência seja dada aos oficiais voluntários que tenham curso superior e, se possível, já estejam posicionados em classes subsequentes, privativas de pós-graduação, [6] além do requisito mínimo de terem feito cursos de capacitação sobre técnicas de mediação e conciliação, já ofertados pela Escola Judicial do TJ-MG (Ejef), por exemplo, no caso do Judiciário mineiro.

Essa sugestão está ligada às legislações já existentes sobre as típicas figuras dos conciliadores e mediadores judiciais (conforme o artigo 7° da Lei n° 9099/95), o artigo 11° da Lei n°13.140/2015, o §1° do artigo 167 do CPC e o inciso II do artigo 6° da Resolução n° 125/2010 do CNJ — resolução esta que disciplina a capacitação de servidores do judiciário para o desempenho dos procedimentos de autocomposição).

Com a autocomposição, os oficiais em diligência (ou em locais designados) poderão mediar conflitos quando provocados pelas partes. Inclusive poderão elencar em suas certidões (ou termos) as propostas oferecidas por qualquer polo do processo, ajudando a eliminar a burocracia sistêmica que existe em quase todas as repartições públicas, em especial e no caso em tela, no próprio judiciário.

Como instrumento eficaz para a metodologia da autocomposição (em suas variadas formas existentes e, ainda, as que poderão vir a existir), poderão ser utilizados meios eletrônicos de comunicação e chamadas de vídeo (tais como aplicativos do Whatsapp, Google Meet, e-mail etc.) para a comunicação entre as partes e também de seus advogados (quando se torna indispensável a representação processual e de acordo com a peculiaridade do ato processual a ser praticado). Se bem analisada, a inovação trará ganhos para a dinâmica processual. Sem contar que, além de não gerar novos custos pelo fato de já serem agentes judiciários concursados, trará economia de órbita orçamentária, principalmente por diminuir a necessidade de contratação de conciliadores/juízes leigos (no caso dos juizados especiais), estagiários remunerados e outros tipos de serventuários que são necessários para lidarem justamente com estes tipos de resoluções de conflitos com a presença física nos tribunais.

Por força do inciso III, do artigo 2° da Resolução n° 125/2010 do CNJ (com redação dada pela Resolução n°326/2020), deverão ser utilizados critérios quantitativos — por meio de estatísticas sobre os resultados obtidos por uma possível — e estimulada —  adesão pelo tribunais que adotarem tal inovação em parceria com os sindicatos que representem a mencionada categoria profissional — desde que a adesão seja dada por grande parte dos oficiais de justiça ao projeto-piloto “Conciliação em Domicílio de seu respectivo tribunal — e critérios qualitativos para medir o grau de satisfação das partes sobre as estratégias utilizadas para se colher propostas ou mesmo realizar conciliações e mediações.

Lembrando que o referido projeto ainda pode ser adaptado às diversas realidades existentes em cada comarca, como por exemplo, nos grandes centros urbanos, onde as comunidades carentes e aglomerados também poderão ser beneficiados, já que contam com a presença diária dos oficiais de justiça quando em cumprimento de ordens judiciais. Espera-se, por fim, que o projeto possa ser amplamente realizado em todas as comarcas do estado de Minas Gerais em breve e, quiçá, caso realmente tenha adesão em massa dos oficiais de justiça (por entenderem estes sobre a função social que já exercem) para os tribunais brasileiros.

Por fim, é importante ressaltar que, se uma determinada categoria profissional quer existir ao longo do tempo, ela deve agir no sentido de demonstrar a necessidade de sua manutenção, principalmente com a evolução cultural da sociedade, trazendo suas respectivas mudanças paradigmáticas. Os oficiais de justiça só não foram extintos ainda, como categoria, por terem se mostrado indispensáveis à materialização do direito das partes. Porém devem estar atentos às reformas e mudanças das codificações processuais. Devem os oficiais, portanto, aproveitarem as oportunidades trazidas pelo estado democrático de direito para buscarem aumentar o rol de prerrogativas de função, garantindo, assim, a existência da profissão no futuro, no sentido de contribuírem ainda mais para o devido processo legal, para a democracia e para a sociedade como um todo.

Referências Bibliográficas
BRASIL. Código de Processo Civil: Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil, em substituição ao anterior. Brasília: Senado, 2022.

Constituição da República Federativa do Brasil. 05 de outubro de 1988. Brasília – DF. Senado, 2022.

Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília: Senado, 2022.

Lei n° 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Brasília: Senado, 2022.

CARMO, Jonathan Porto Galdino do (2015). A indispensabilidade do oficial de justiça para o novo Código de Processo Civil. Revista Jus. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/42566/a-indispensabilidade-da-atividade-do-oficial-de-justica-para-o-novo-codigo-de-processo-civil>, último acesso em 03/01/2023.

CARMO, Jonathan Porto Galdino do. Oficial de Justiça – Novo Código de Processo Civil, vídeo. Youtube, arquivo enviado em 08 de janeiro de 2012. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=yoUzuwdhOq8&t=1s>. Último acesso em: 03/01/2023.

CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Resolução n° 125 de 29 de novembro de 2010, com suas posteriores alterações. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Brasília, 2022.

FOLHA.UOL. Datafolha: cai a confiança da população nas instituições e nos três poderes, matéria publicada no dia 24 setembro de 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/09/datafolha-cai-confianca-da-populacao-nas-instituicoes-e-nos-tres-poderes.shtml, >. Último acesso em: 03/01/2023..

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Trad. Janaína Marco Antônio, 46ª ed. 2019.

TJMG, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Portaria-Conjunta n° 1.346/PR/2022. Dispõe sobre a expansão do Projeto “Conciliação em Domicílio” para todas as comarcas do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte – MG, 2022.

Portaria-Conjunta n° 1445/PR/2023. Dispõe sobre a expansão do Projeto “Conciliação em Domicílio” para todas as comarcas do Estado de Minas Gerais. Altera a Portaria-Conjunta n° 1.346/PR/2022 e dá outras providências.  Belo Horizonte – MG, 2023.

Resolução n° 953/2020. Estabelece normas e procedimentos para o desenvolvimento dos servidores nas carreiras dos cargos de provimento efetivo do Quadro de Pessoal dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais e dá outras providências. Belo Horizonte – MG, 2022.


[1] HARARI, 2019.

[2] Inciso que tive a oportunidade de sugerir à comissão da Câmara dos Deputados, em 2011, por meio da minuta que elaborei da emenda apresentada pelo Deputado Padre João (de número 418) ao PL. 8046/2010 (que deu origem ao CPC/2015). Para saber mais, acesse o link em que faço a sustentação oral na Câmara dos Deputados (sessão presidida pelo então deputado federal Sérgio Barradas), disponível no Youtube em: https://www.youtube.com/watch?v=yoUzuwdhOq8, último acesso em 03/01/2023. Também é possível verificar referências sobre as notas taquigráficas (além de outras informações relevantes) no artigo intitulado ‘A indispensabilidade do Oficial de Justiça para o novo Código de Processo Civil, destacado nas referências bibliográficas.

[3] Esses são os princípios fundamentais, norteadores, do novo Código de Processo Civil, elencados no capítulo I da Lei Federal n° 13.105, de 16 de março de 2015.

[4] Alterado pela Portaria Conjunta 1445/PR/2023 do TJMG.

[5] Alguns tribunais também começaram a instituir a autocomposição em diligências, como é o caso do TRT – 5, entre outros em fase de estudos.

[6] Conforme dispõe a Resolução 953/2020 do TJMG, por exemplo, a qual trata sobre o desenvolvimento das carreiras dos servidores do judiciário mineiro.

  • BraveJonathan Porto Galdino do Carmoé oficial de justiça do TJ-MG, mestre em Estudos Jurídicos, com ênfase em direito internacional, bacharel em direito e em teologia, especialista em direito processual civil, direito penal e processual penal e doutorando em Ciências da Educação.